Dentre eles vou elencar alguns que me chamaram particular atenção:
Considerado louco por alguns e gênio por outros, a sua figura insere-se no debate sobre o pensamento eugêncico, o preconceito e os limites entre a insanidade e a arte, no Brasil. A sua história liga-se também à da Colônia Juliano Moreira, instituição criada no Rio de Janeiro, na primeira metade do século XX, destinada a abrigar aqueles classificados como anormais ou indesejáveis (doentes psiquiátricos, alcoólatras e desviantes das mais diversas espécies).
tecido, fio e corda
219 x 130 cm
Museu Bispo do Rosario (Rio de Janeiro, RJ)
A missão de reconstruir o mundo para apresentar a Deus no dia do juízo final não deixa de encontrar ressonância nos medos, nas culpas, na consciência permanente do pecado que aflige a maioria dos cristãos. Cada um a seu modo procura ou deseja reconduzir e transformar sua vida para o momento de encontrar a divindade, em que não haverá segredo ou dissimulação, ou o momento do juízo final, como Bispo acreditava, em que serão definitivamente separados os bons dos maus.
Daí, estandartes e mantos remeterem possivelmente o observador a aspectos ritualísticos da religião, por mais que se busque afastar a influência ou crença nessa opressão do divino.
Criadora do “manifesto da arte carnal” e protagonista do primeiro “extreme makeover” da história da arte, Orlan chocou o mundo nos anos 90 ao realizar a performance “A reencarnação da Santa Orlan”, uma série em que ela se submeteu a nove cirurgias plásticas que foram transmitidas via satélite para diversos lugares, entre eles as principais galerias de arte da Europa. Ao longo desse processo, a francesa nascida em Saint-Étienne em 1947 transformava seu rosto radicalmente, recebendo, além de chifres – realçados calculadamente com purpurina no dia de sua visita à capital paulista – mas também implantes no queixo, nas bochechas e ao redor dos olhos.
Durante a operação, apesar da anestesia, Orlan mantinha-se consciente. Em algumas performances, crânios, tridentes, frutas e legumes iam sendo misturados ao cenário. Em outras, ela lia textos ou então fazia desenhos com os dedos usando o seu próprio sangue. “Eu queria falar sobre o quanto se maltrata o corpo das mulheres. A religião propõe um corpo culpado, que deve sofrer. O meu trato era: nada de dor, nem antes, nem depois.”
“A arte carnal não procura purificação, mas busca transformar o corpo em língua”, fala Orlan, que diz amar o rim, o pâncreas e se excitar com a linha do fêmur. Um dos resultados de tantas operações é a instalação “Corpo colocado em quarentena”, composto por 40 auto-retratos do primeiro ao 40º dia após a intervenção cirúrgica. “As fotos mostram os inchaços e todas as cores pelas quais passamos – azul, amarelo, vermelho. Muitos cirurgiões não quiseram me operar, não queriam mostrar o que acontecia no meio do processo, só o antes e o depois”, conta.
Orlan, submetendo seu rosto a sucessivas operações estéticas em busca da boca da Gioconda ou os olhos de Nefertiti, perpetra uma crítica brutal contra essa sociedade que baseia sua identidade na beleza física.Seu rosto é em partes reflexo de uma obra de arte, mas monstruoso no conjunto. Apóia-se nas teorias do feminismo e da psicanálise e na história da arte, mas também desperta o aplauso da crítica, que interpreta seu arriscado auto-retrato como uma celebração dos avanços médicos e culturais. Um ataque à idéia cristã de que o corpo é sagrado.
Seja como for, seu desempenho convida a uma revisão histórica da representação da mulher na arte. O universo masculino, baseado nas crenças sobre o amor e a morte, faz do corpo da mulher o campo de batalha entre Eros e Tanatos, entre o desejo e a destruição. Passiva e cativa como no romantismo, ou dominante e devoradora como foi mais tarde para os pintores simbolistas e decadentes, que passaram de sádicos a masoquistas, a mulher européia não conseguia superar o estado de boneca.
Fonte:
http://anodafrancanobrasil.cultura.gov.br/br/2009/04/05/orlan-criadora-do-manifesto-da-arte-carnal-apresenta-mostra-sutura-hibridacao-reciclagem-laicidade/
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